MORTE DE
SEPÉ TIARAJU!
Antes mesmo
de se descobrir a América, havia sido estabelecida a Linha de Tordesilhas para
dividir as futuras possessões de Espanha e Portugal em outros continentes. A imprecisão
desse meridiano, bem como a fusão das coroas de destes dois Países de 1580 a
1640, haviam contribuído para a caducidade daquele acordo e para a necessidade
de se fixarem limites mais nítidos.
A situação se tornara mais confusa na ampla região à margem
esquerda do rio Uruguai: aqui se alternavam a Colônia do Sacramento
(portuguesa), o Governo Militar de Montevidéu (espanhol), a Comandância Militar
de Rio Grande (portuguesa) e os Sete Povos das Missões Orientais (espanhol). Igualmente
confusa, era a situação nos antípodas, isto é, no “outro lado” do globo
terrestre.
Pelo tratado
de Madri, de 1750, as Filipinas e as Ilhas Molucas, no oriente e a Colônia do
Sacramento, na América, passariam definitivamente ao domínio espanhol,
recebendo Portugal, da Espanha, os Sete Povos das Missões Orientais do Uruguai.
Da mesma forma que os habitantes da Colônia, teriam que se mudar para as terras
portuguesas, por exemplo, a vila de Rio Grande, os missionários e índios dos Sete Povos,
teriam que se mudar para as terras
espanholas, por exemplo, a outra margem
do rio.
Nesse sentido, o art. XVI era bem claro, permitindo que os
missioneiros levassem seus móveis e semoventes, armas, pólvora e munição, mas determinando
que, a entrega das povoações à coroa de Portugal
seria com todas as suas casas, igrejas, edifícios, propriedades e posse de
terra.
Para a demarcação
de limites, foi constituída uma comissão mista, integrada por técnicos e
militares de ambas as nações, tendo como representante espanhol, o Marquês de
Valdelírios e como representante português, o general Gomes Freire de Andrada. Simultaneamente,
casais açorianos, foram destinados, por Portugal, a povoar as terras que os
índios abandonassem.
Entretanto,
houve a reação missioneira. Negando-se a abandonar o território, os índios iniciaram
umas escaramuças contra os demarcadores e dentro em breve estourava a chamada “Guerra
Guaranítica”, com junção dos exércitos de Espanha e Portugal, em dezembro de
1755, para a marcha contra os Sete Povos.
Eram
mais ou menos 2000 os combatentes espanhóis, sob a chefia do governador de
Buenos Aires, D. José Andonaégui, e contando com a presença do governador de
Montevidéu, José Joaquim Viana. Eram cerca de 1600 os soldados portugueses, sob
o comando do general Gomes Freire. Juntaram-se na altura da atual Bagé. “Distavam
uma 90 léguas das reduções”, escreve Mansueto Bernardi, “e em princípios de
janeiro, começaram a avançar com extrema lentidão”. E os índios? “Demoravam
inativos, cegamente confiantes no seu número, na sua bravura pessoal e nos seus
santos”.
Não se prepararam seriamente para a resistência e apenas uns
300 deles, ao mando de Sepé Tiaraju, corregedor de São Miguel, se reuniram para
embargar o passo dos invasores. Às patrulhas avançadas dos expedicionários,
perguntaram os índios o que buscavam nas suas terras. Pouco depois, o próprio
Governador Viana encontrou um piquete de índios que repetiram as perguntas
anteriores. Como o governador de Montevidéu insistisse em prosseguir, os índios
deram de rédeas aos seus cavalos dizendo: “no caminho nos encontraremos”. E assim,
de fato, sucedeu. No dia 7 de fevereiro de 1756, houve diversos encontros e
tiroteios isolados, sendo mortos diversos portugueses que, imprudentemente, se
haviam afastado das guardas avançadas.
A descrição mais detalhada dos acontecimentos
está na História do Brasil de R. Southey, vol.6, pag. 48 e 49.
“Em consequência
disso, teve o governador de Montevidéu, Viana, a ordem de sair com 300 homens a
castigar o inimigo. Constando, ser este em grande número, enviou-se segundo
destacamento, de 500 praças, a apoiar o primeiro. Mas, antes da chegada do
reforço, tivera lugar uma peleia em que tombou Sepé Tiaraju.
Caiu como um valente. Um cavaleiro português o feriu com um
lançaço, quando o cavalo do caudilho missioneiro, rodou num buraco de tatu, mas
não sem receber também um ferimento. E talvez que Sepé ainda se erguesse e se salvasse
se Viana não o houvesse morto com um tiro de pistola, ali caído”.
A tradição
popular engrandece a figura de Sepé Tiaraju, conferindo-lhe o grau de
santidade, de certa forma oficializada pela toponímia: “São Sepé” é nome de um
rio, de um município, de uma cidade nossa. A legenda desse índio-mártir tem
sido alimentada, em prosa e verso, através das gerações e hoje sua força
mitológica é associada à resistência latino-americana contra o domínio
colonialista europeu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário