quinta-feira, 19 de maio de 2016

CANTO TRISTE!

                           Reacendendo a brasa, na invernia das enregeladas madrugadas da pampa insalubre, rasgando a geada com pés duros, como tronco de angico, acostumados às intempéries de menino criado no campo, nos costumes simples que seus ancestrais lhe colimaram na energia estoica que passa de pai pra filho.
                           Ressongando no fundão da invernada, um canto triste, com a própria definição do gaúcho, se faz ouvir como num chamamento a angustia da cordeona e nos bordões de uma viola bem afinada, no sentimento da última lembrança que ficou acolá.
            Viverei, através dos cantares da vida temporal, que se esvai numa miríade de ilusões que ainda impera na melancolia do trinar da cotovia, anunciando a invasão de seu ninho.
            Por estranhas figuras aladas incompreensíveis à realidade atual, vejo meu pai agora à porta, cuja silueta se recorta com imponência de taita. Ele quer me abrigar com seu poncho, mas, com olhos marejados de lágrimas, sinto fugir essa imagem. Será miragem? Mas ele estava bem ali!
            Volto os tempos novamente e na fulguração de irradiações plenas, novamente se aclarou a mente e sua presença marcante é novamente sentida com sua voz clara e compassada acalmando quem a escutava. Quantas histórias...
            Coração apertado, acordo para a realidade dura e fria da madrugada tenebrosa. Quero sonhar novamente para encontrar minha mãe. Relembro dela na cozinha, o avental todo sujo de ovo, como diz a canção, com aquele seu jeitão de matrona onde recebia todos no seu regaço.
            Ah... Mamãe! Queria voltar tudo, tudo de novo. Sentir tuas mãos passando sobre meus cabelos, altas horas da noite, teu aconchego acalmava toda ventania. Não havia furacão que a vencesse.
                        Mãe é o próprio DEUS na terra, seu mais lídimo representante.
Num sofrenaço acordo definitivamente, foi tudo um sonho! Mas foi divino. Estou feliz novamente por esse reencontro.
                            Quer possamos finalmente ser um fiapo do que foi José e Maria para que nossos descendentes amanhã recordem com saudades os momentos felizes que nunca se apagarão e viverão como uma sombra em sua sombra e o canto triste do guapo atávico será o lenitivo na grande jornada da existência!
            Cantemos, pois, a vida!

ANTONIO PEREIRA DOS SANTOS-Professor e tradicionalista.
(Email, toninhosantospereira@hotmail.com; blog, WWW.allmagaucha.blogspot.com; twitter, toninhopds

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